Inteligência artificial para gerir uma pequena livraria

Livraria Convergência

Cultura
Nuno Margarido

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A “pequena” livraria Convergência deu recentemente um passo para o futuro. Em dezembro, Pedro Cipriano lançou um projeto piloto para a integração de inteligência artificial na gestão do inventário de 7 mil livros que a livraria possui.

“Quando o projeto da Convergência nasceu há alguns anos, nós tínhamos muito poucos livros - nem deveria chegar aos 50 livros diferentes - e era extremamente simples de gerir porque tinha meia dúzia de fornecedores, cada um com 4 ou 5 livros. E quando vendia um, pedia um para ter sempre os mesmos livros em stock que é o normal do negócio”, iniciou o calvoense. As pequenas mudanças começam a surgir na transição de 2018 para 2019 com a introdução de “um reporte de vendas automático” para os fornecedores que, nessa altura, “já passava de 40”. “A maior parte das livrarias funcionam num sistema de consignação. Eles dão-me os livros para a mão e eu só tenho de os pagar quando os vender. E está acordado, com os fornecedores, que todos os meses tenho de lhes mostrar as vendas”, explicou para justificar a necessidade desse reporte. “Os meus fornecedores têm acesso às vendas em tempo real porque fizemos uma plataforma para eles poderem seguir isso. Na altura foi inovador porque fomos dos primeiros a fazer algo que permitia um acesso, em tempo real, às vendas”.

Os anos passaram e, de repente, estamos em 2022. Uma altura em que a livraria já conta com um inventário de mais de 7 mil livros diferentes e com um número assinalável de fornecedores. “Já temos um grande catálogo e já era um caos por aqui. O mercado do livro é muito volátil… um livro que hoje sai e que é novidade, daqui a 2 meses já não interessa ao mercado. 

É um mercado que vive muito de novidades. E o que é que acontecia quando eu fazia encomendas baseadas no que vendia? Andava sempre atrasado”. Uma situação que poderia ser “facilmente” sanada caso a primeira encomenda contivesse já um número assinalável de um só título para que nunca houvesse falta no momento da venda. “Trazia problemas. Imagina que pedia 20 de cada um dos livros do catálogo… tinha de arranjar espaço para guardar 140 mil livros. Nós temos um espaço que dá para guardar 15 mil livros, não 140 mil. Outro problema é o facto de eu ter de pagar os livros a algumas editoras no momento da encomenda, ou seja, teria de investir quase 2 milhões de euros em livros e isso não está muito nos meus planos [risos]. Outro problema… assumindo que até tinha esse dinheiro e esse espaço, ficava com um problema enorme de ter de devolver tudo o que não vendia para não ter de pagar”, conta. Três problemas maiores que se juntam a outros mais pequenos como a gestão de tempo no que concerne a envios, arrumação, entre outras coisas. “Absolutamente caótico, não é? Portanto, era necessário algo que trabalhasse em avanço, que conseguisse prever as vendas”.


Inteligência artificial para otimizar todo o processo

A ideia surgiu já em março de 2020, conta Pedro Cipriano. Ideia que foi ganhando forma, pouco a pouco, devido à complexidade que assume. “Todos os dias, à meia noite, isto lê todas as vendas que fazemos, vai buscar referências ao Twitter e ao Instagram, pega em dados agregadores como dados de vendas de outras livrarias e, com isso, faz uma previsão de vendas para os próximos dias”, explicou. “Depois disso, verifica o stock livre que temos disponível. Se o nosso stock for inferior à expetativa de vendas, ele automaticamente gera uma encomenda e envia-a diretamente ao fornecedor. Aliás, temos fornecedores que já começaram a receber estas encomendas e nem sequer se aperceberam que foi feito por uma máquina”.

A curiosidade é grande e leva-nos a colocar várias questões, nomeadamente quanto ao dinheiro disponível para encomendas. “Ele também gere esse fundo de maneio. Ele sabe quanto dinheiro sabe para compras todos os meses e divide por fornecedores consoante as vendas que tem tido. Todos os meses, no dia 1, ele faz-me o orçamento para o mês e eu posso ir lá ver. Se gostar, posso deixar ficar. Se não gostar, altero os valores. Dentro dos mesmos géneros, as coisas mantêm-se mais ou menos estáveis. Agora, se vais ler um Valter Hugo Mãe ou um Afonso Cruz, aí já depende um pouco das modas”.

Um projeto que já leva pouco mais de dois meses de implementação e que, todos os dias, é alargado a mais fornecedores. “Até ver, não cometeu nenhum erro. Aliás, até já tive uma situação caricata porque durante a noite ele encomendou-me 6 ou 7 mangas de uma coleção que só tem 4 ou 5 volumes. Eu não percebi… mas às 10 da manhã, uma livraria em Aveiro ligou-me a pedir isso. Pode ter sido uma coincidência mas eu depois reparei que, no dia anterior, falou-se no Instagram que essa tinha sido a Banda Desenhada mais vendida de 2021 e ele pegou nisso e automaticamente puxou a expetativa de vendas desse dia. E antes de chegarem do fornecedor, já tinham sido todos vendidos”, destacou.

Pedro Cipriano reitera que os grandes grupos livreiros já dispõem de equipas especializadas para este tipo de serviço mas que esta “ferramenta” pode acabar por se assumir crucial na escala dos pequenos negócios. “Em termos conceptuais pode até ser uma mais-valia para concorrermos com os grandes grupos que estão a matar as pequenas livrarias”, acrescentou antes de revelar que a inteligência artificial poderá poupar até uma hora e meia por dia. “Gostava que isto não precisasse de mim, de todo. Mas ainda precisa e, obviamente que vai precisar durante mais algum tempo. Mas é o início de uma nova fase” concluiu Pedro Cipriano antes de abrir portas ao futuro.


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