Invasão da Ucrânia por parte da Rússia

“Como é que vocês sabem que o mel é doce se nunca provaram?”

Ucrânia
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A instabilidade da guerra não é um cenário novo para Yuriy Stelmashchuk. Este ucraniano que atualmente reside e trabalha em Vagos conversou com o jornal O Ponto, na tentativa de explicar e contextualizar tudo o que tem acontecido nos últimos tempos.


“Eu cresci durante o regime comunista com toda a propaganda. As crianças têm de saber que o nosso partido é o melhor do mundo, o mundo é todo injusto e nós somos o melhor país do mundo. No comunismo recebemos quando trabalhamos e é tudo igual para todos. Nós vivemos nesta realidade e eu acreditava nisto porque não há outra informação. Por um lado é bom porque sabia que tinha ensino garantido e de graça até ao ensino superior e serviços médicos de graça - se calhar não era de melhor qualidade mas de graça. O Estado construía apartamentos e dava de graça se já trabalhasses… Acredita-se que, apesar da pobreza, somos o país mais justo do mundo”, explicou para abrir algumas luzes sobre o mundo e a realidade em que vivem muitos cidadãos de outras latitudes.


Atualmente, “na televisão, é só propaganda. Dizem que a NATO quer ocupar a Rússia. Há gerações que já foram influenciadas de tal maneira que se vocês forem à rua fazer entrevistas, a maioria vai dizer-vos que aquilo que o presidente da Rússia faz, faz bem. Porque está a proteger o país”, explicou. “A informação é controlada. Como é que vocês sabem que o mel é doce se nunca provaram?”, lançou. Já a justificação para a invasão da Ucrânia, segundo Vladimir Putin, prende-se com a ocupação do país por nazis, uma razão que Yuriy considera falsa. “Somos um povo que perdeu milhões de pessoas na II Guerra Mundial, na luta contra o nazismo. Até o meu avô esteve nessa guerra e combateu contra o nazismo. É tanta propaganda que ele diz que a Ucrânia foi ocupada pelo nazismo… E este presidente foi eleito com 73% de votos. Isso quer dizer que 73% são nazis? Não é verdade. Vivem lá pessoas de todo o mundo, até o próprio presidente é judeu. A história dele [Putin] não vale nada”, continuou Yuriy antes de falar sobre a vontade ucraniana de aderir à NATO, decisão que, segundo Putin, poderia “colocar mísseis na fronteira com a Rússia”. “Há países acima da Ucrânia, países bálticos, que já entraram na Nato e fazem fronteira com a Rússia”, explicou para voltar a desarmar as justificações do presidente russo.


Sem acreditar até ao último minuto

“Até ao último momento, não acreditei. Sei que havia vontade de voltar a reconstruir a União Soviética mas não acreditava”, continuou Yuriy antes de abordar os últimos acontecimentos, afirmando que Vladimir Putin pode ter sido surpreendido pela resistência demonstrada pelo povo ucraniano. A crença de que algo poderia efetivamente acontecer começou a nascer com o reconhecimento, por parte do autocrata russo, da independência das repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk, a região de Donbass. “A partir desse reconhecimento, passei a ver notícias todos os dias. No dia 24 de manhã tocou o despertador e apareceu-me uma notificação a dizer que a Rússia estava a bombardear as cidades ucranianas. Fiquei chocado. Desde então, não consigo dormir bem… durmo 2 a 3 horas por noite porque estou sempre à procura de informações”, contou. É neste momento que Yuriy esclarece o quão perto, apesar de longe, podem estar estes conflitos. “A minha esposa tem familiares mais perto. A mãe, o pai, a irmã… temos tios, primos, sobrinhos. Tenho conseguido falar com eles e, felizmente, vivem numa zona onde o conflito ainda não chegou - no centro do país, mais para o lado da Polónia. Já a irmã da minha esposa vivia na capital (Kiev) mas conseguiu sair de lá no primeiro dia de bombardeamentos”, contou. “Levaram documentação, algumas malas e arrancaram. Não sabem se a casa está de pé”, acrescentou.


Cidadãos apresentam-se a combate

Yuriy prossegue, mostrando-se pouco surpreendido com a resistência demonstrada. “Sabia que iam resistir. Só não sabia que iam resistir tanto tempo”, justificou, antes de abordar o investimento militar realizado pela Ucrânia após a anexação da Crimeia, por parte da Rússia, em 2014. Cenários de guerra não são novidade para este ucraniano, afinal, para além de ter ido à tropa quando ainda era jovem, Yuriy ainda fez uma missão na Jugoslávia juntamente “com os capacetes azuis, uma missão de paz da ONU”. Na Ucrânia, vários homens têm sido chamados a combater mas Yuriy esclarece que “estão a chamar primeiro os mais jovens, que saíram há pouco da tropa”. “Eu gostava de estar lá mas coloquei essa pergunta à minha família… a minha esposa até deixava mas as minhas duas filhas começaram a entrar em pânico, começaram a chorar e aquilo custou-me”, contou Yuriy antes de indicar que está a tentar ajudar a partir daqui com a angariação de bens e alimentos que têm sido enviados, durante os últimos dias, para a Ucrânia. “Mandamos tudo o que achamos que possa servir”, explicou Yuriy. “Queremos aproveitar e agradecer a todos vós, em nome de todo o povo da Ucrânia. Obrigado a todos”, terminou a esposa Vita que, já perto do final da conversa, se tinha juntado a nós com um pormenor que não escapou aos olhos de ninguém: uma pequena bandeira ucraniana que trazia na mão.

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