Vagos recebe os primeiros refugiados

“Não sei o que vai acontecer lá, nem se terei para onde ir”

Ucrânia
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Irina Tretakova abre-nos a porta de casa. É, talvez, a terceira ou quarta vez que abre aquela porta. É todo um mundo novo para esta ucraniana que agora se vê na condição de refugiada, obrigada a habitar um espaço que desconhece mas que lhe foi disponibilizado por um empresário vaguense que preferiu manter o anonimato e que, a’O Ponto, já admitiu a possibilidade de acolher mais refugiados.


Connosco está também Pavlo Seleznov, ucraniano que vive há 12 anos em Portugal e que nos ajudou na tradução de toda a entrevista que realizámos com Irina. A calmaria vaguense é um contraste claro com a névoa difusa de acontecimentos que vivem na mente desta ucraniana. Em 50 anos de vida, confessa que nunca imaginou ser obrigada a fugir do país por causa da guerra. Para trás ficou a casa, o marido e, apesar de tudo, também as filhas. Uma vida inteira, portanto.
Ficou também a cidade de Tcherkássi, bem no centro da Ucrânia, onde Irina viveu momentos aterradores no dia 24 de fevereiro. A decisão de abandonar casa e país não demorou muito a ser tomada e a fuga iniciou-se logo nas primeiras horas da manhã. “Acordei às 7 da manhã com o barulho de duas bombas que caíram perto de minha casa. Nesse mesmo dia decidimos vir embora”, conta depois de mostrar várias fotografias de prédios completamente destruídos que tinha captado com o telemóvel. O desenrolar da conversa permite-nos perceber que Irina está a tentar provar a veracidade de toda a história e que, sim, era verdade que a Ucrânia estava a ser bombardeada.
Voltamos à história de Irina. O marido de 42 anos levou-a à fronteira e teve de ficar para trás, para defender a cidade onde vivem. “Ele não me conta tudo. Diz que está tudo bem mas eu ouço as sirenes… tenho um vizinho de 7 anos que está a viver na cave e todos os dias reza para haver paz”. Já as duas filhas vivem na capital, em Kyiv, mas também já estão longe de casa. A primeira está perto da fronteira, numa zona mais calma, com o namorado que não pode deixar o país. A outra está no Egito e não consegue voltar para casa porque “não tem para onde ir”. “Quero ver se nos próximos dias compramos um bilhete de avião para ela vir para aqui”.
“Nunca tinha vivido isto. Ninguém acreditava que isto ia acontecer. Quando começou, viemos todos para a rua e não queríamos acreditar”.
Durante a entrevista, o som do telemóvel denuncia a quantidade de notificações que Irina recebe. “São amigos, vizinhos, que estão a perguntar como é que eu estou. E que me mandam notícias de lá. São também pessoas que mandam mensagens a perguntar se sabemos dos seus familiares porque não sabem onde estão”.


Da Polónia para Portugal

De Portugal, Irina pouco conhecia. Não conhece ninguém por cá ao contrário do grupo com que viajou para Portugal. Foi a filha que está no Egito que fez a ponte com o empresário vaguense e que acabou por encontrar um Vagos seguro para a mãe. Foi assim que ficámos a saber que, depois de fugir para a Polónia, esta refugiada passou por vários locais até finalmente se encontrar com o autocarro da organização portuguesa IRA - Intervenção e Resgate Animal. O autocarro da IRA saiu de Lisboa no dia 2 de março. Na Polónia, deram bens de primeira necessidade a refugiados e animais. Quatro dias depois, no regresso a Portugal, foram a boleia para quem queria fugir da guerra, num grupo de 29 adultos, 14 crianças e ainda dez animais de estimação. “Foram 2 dias de viagem. A viagem até foi agradável, os rapazes do autocarro estavam sempre a carregar-nos o telemóvel e só parávamos para comer. Não passámos fome. Pagavam-nos café… nem sabíamos que as casas de banho aqui na Europa eram pagas (França, Alemanha) mas eles pagaram isso tudo. E davam bombons às crianças”.

Ainda não sabe se vai ficar em Portugal, nem sabe bem o que pode fazer. “Para já, ainda não pensei nisso. Se tiver a possibilidade, quero começar a trabalhar para ganhar algum dinheiro porque não sei o que vai acontecer lá, nem se terei para onde ir. Em casa tinha uma estufa para produção agrícola e de flores, para além de trabalhar com crianças. Isso chegava para vivermos”. A vontade primordial é, apesar de tudo, a de regressar a casa. “Casa é casa”, acrescenta Pavlo.

Para já, a casa de Irina chama-se Vagos. Uma terra que desconhecia por completo até ao passado dia 7 de março. E a oportunidade para ver algo que, em 50 anos de vida, nunca viu: o mar.

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