João Campolargo - Presidente da Câmara Municipal de Ílhavo

A vantagem de não estar condicionado às regras de um partido

Ílhavo
Nuno Margarido

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João Campolargo é o novo presidente da Câmara Municipal (CM) de Ílhavo. O autarca que liderou os destinos da Junta Freguesia (JF) de São Salvador desde 2013 acabou por acolher a preferência dos ilhavenses entre os candidatos à liderança do município nas eleições autárquicas de 26 de setembro. Eleito pelo movimento independente Unir Para Fazer, este “filho da terra” assume alguns dos objetivos para o mandato que agora se iniciou.


O que é que o motivou a entrar na política e a candidatar-se a presidente de Junta de Freguesia?

Eu nasci e cresci na Gafanha de Aquém, os meus pais eram professores primários e exerceram a sua função no município de Ílhavo durante grande parte da sua vida. Já eu - e a minha vida profissional - foi sempre fora de Ílhavo. Estudei em Ílhavo e em Aveiro e, entretanto, ingressei no Forpescas (1990) onde fui para a versão técnica-profissional e passei a ser técnico de gestão especializado no setor das pescas. Aí começaram os convites para os meus desafios profissionais… e acabei também por me especializar como profissional de hotelaria - servia à mesa e trabalhei numa das melhores casas de diversão noturna que é a Estação da Luz como responsável pela parte interna de confeção de produtos e aprovisionamento dos mesmos. Portanto, estudava, trabalhava na hotelaria no serviço de mesa e também nessa casa - foram 14 anos que entreguei a esse serviço. Fui para a Universidade e tirei o curso de Gestão na Universidade Lusíada do Porto (1994-2000) e em 2005 tirei uma pós-graduação em engenharia e gestão industrial porque entrei nessa área em 2000, na Cosval, onde fui diretor de Frota. Exerci esse cargo durante 18 meses e, em 2002, ingressei na Primus Vitoria para assumir a Direção de Compras da empresa. Mais tarde assumi a Direção de Qualidade da empresa e, em 2005, fui convidado para ir para a Direção Comercial de outra empresa do grupo. Nesse desafio criei um tecido abrangente de empresas e relacionamentos profissionais que, em 2008, me convidaram para novos desafios. Aí, fui para outra empresa da área de cerâmica mas com uma dimensão de produção que não existia em Portugal e que existe muito pouco no mundo que era a Kerion. Foi um desafio difícil… mas, pelo, meio, acabou por surgir o convite para ser candidato à Junta de Freguesia numa equipa que, em 2009, tinha um relacionamento unicamente de irmos ao Illiabum.


Já tinha alguma ligação ao associativismo?

Tive sempre. A Gafanha de Aquém é riquíssima pelo grupo de jovens A Tulha e pelas dinâmicas culturais. E também estive no grupo desportivo onde assumi o cargo de tesoureiro… mas como a minha vida foi sempre de 14 a 15 horas de trabalho, de ter um 2.º e um 3.º trabalho, o tempo disponível para os meus amigos era escasso e absorvi sempre muito do meu tempo para ganhar pelo menos experiência e formação.


Contava que em 2009…

Eu disse-lhes que não me metia em cargo nenhum de responsabilidade porque não tinha vida para estar cá e o projeto da Kerion estava em expansão. E disse-lhes para me meterem em último da lista. Na altura, o partido que me tinha abraçado e me tinha convidado - do qual eu nunca me tornei militante - tinha-me dito que, em 2005, tinham metido cinco autarcas na oposição da Junta de Freguesia e um resultado bom seria meter mais do que cinco. Parecia-me esse o objetivo e que era possível mas quando me apercebi que não conhecia ninguém para além dos cinco primeiros, pedi para mudar a minha posição e subi para quarto lugar. E não é que só entraram quatro? E aí dá-se a minha primeira experiência autárquica. Posso dizer-vos que muitas das reuniões foram pensadas ao volante, foram lidos documentos à hora de almoço, à hora do lanche ou numa paragem no Ikea em Lisboa porque tinha assembleia às 21 horas e foi tudo preparado dessa forma. Tivemos sempre a preocupação de não ir para uma assembleia de freguesia sem olhar para os documentos e eu tinha alguma suspeição sobre aquilo que era a contabilidade da JF porque a minha formação, como vos disse, é de gestão. Tinha ali alguma desconfiança… e fazia algumas perguntas e fui crescendo no conhecimento.


Conhecimento que lhe permite vencer em 2013.

Em 2013, o partido que me tinha abraçado não tinha candidato quando se aproximava a altura de entregar as candidaturas e lançou-me o desafio já em julho. Eu fiquei a pensar e, passado um dia ou dois, pensei que daria para abraçar a meio tempo e fazer um projeto giro. Mas, antes de tudo, era preciso ganhar… e a diferença, na altura, era de 2.500 a 3.000 votos, portanto, seria muito difícil o PS ganhar mas era possível. Avancei com a candidatura com um trabalho muito objetivo. Fizemos uma preparação muito grande e consegui encontrar pessoas que fizeram a diferença nessa altura. E conseguimos ganhar por 9 votos.


Mas não conseguiu estar a meio tempo.

Isso muda em janeiro de 2014 depois de, com a ajuda dos meus administradores da altura, ter feito uma vida mais para a JF do que para a empresa. Tive de lhes dizer que acabaria aí a minha ligação contratual com a empresa porque me ia entregar à minha comunidade, ao meu território e às pessoas que me ajudaram a crescer. Em 2014 geria a junta com uma visão muito empresarial e debatemo-nos com problemas muito sérios da parte dos recursos humanos porque não tínhamos poucos e, os que tínhamos, estavam numa situação contratual nada boa - referir que apenas tínhamos uma pessoa dedicada mas, ao mesmo tempo, muito agarrada às metodologias do passado.


Só havia uma pessoa como funcionária?

Com vínculo efetivo havia duas pessoas. Um senhor que se ia reformar nesse ano ou no seguinte e uma senhora que geria a contabilidade e que também se reformou há pouco tempo. De resto, eram pessoas que vinham de contratos de emprego-inserção e que estavam ali mas que não eram do quadro da junta. E havia outras duas situações que não estavam regularizadas com a administração pública e que tivemos de tratar. Para bem delas e para bem da JF. Nesse ano também se faz uma coisa que foi a reorganização administrativa das JF.


Sim, em 2013. A famosa “Lei Relvas”.

Aqui não houve agregação, houve uma redefinição das áreas geográficas das freguesias. E os desafios estavam aí… o João Campolargo começou em formação contínua, não só nas associações ligadas às freguesias como a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) como também em planos de formação visitando outras freguesias com algumas experiências e conhecendo as tramitações que passaram. Encontrei um buraco enorme porque muitos dos presidentes de JF que passaram não tinham a formação ou a mesma visão que eu em termos de conhecimentos organizacionais e havia aqui alguma diferenciação. No decorrer desse mandato dei também uma reviravolta às coisas, ou seja, conseguimos voltar a ter um mercado a funcionar todos os dias, conseguimos ter uma relação com as lojas que temos no mercado e criámos também um conceito de receita própria da Junta de Freguesia. Criámos também um cemitério com condições para que as pessoas o valorizassem cada vez mais e fizemos, por toda a freguesia, uma operação de limpeza e de enquadramento daquilo que são os nossos contentores para resíduos sólidos urbanos com garagens próprias. Via muitos no meio da rua, virados, e deixámos de ter esses problemas, criámos estabilidade. Criámos ainda uma proximidade - que não existia - da JF aos cidadãos. Quando saí da JF em 2021, saí já com um quadro de pessoal de 12 pessoas que era uma coisa, para mim, necessária e com uma resposta em dobro daquilo que era necessário, ou seja, se um equipamento que está a trabalhar avariar, temos outro para substituir. Isto enquanto dávamos apoio às nossas escolas, às nossas IPSSs, às iniciativas das nossas associações.


A freguesia de São Salvador é da dimensão de alguns municípios pequenos mas esse tipo de atividades é, geralmente, mais associado à gestão municipal. Era apenas a sua visão ou já aparecia com o objetivo de um dia saltar para a CM?

Não. Era com o objetivo de termos, a cada dia que passava, novas ambições e vontade de vencer. Acho que devemos acordar todos os dias com ideias precisas do que queremos fazer e trabalhar para elas. Tudo o que falei foram motivações da equipa, não foram só do João Campolargo. Se fizemos uma gala da JF para reconhecer o valor dos nossos cidadãos nas várias áreas, fizemo-lo porque sentimos necessidade disso. Claro que isto associado à visão política, teve responsabilidade para que eu hoje esteja aqui e para que as expectativas sejam altas sobre o meu desempenho. Mas gostava, por exemplo, de ter feito essa gala no Centro Cultural de Ílhavo e nunca tive hipótese de o fazer ou de ter acesso a instalações municipais e nunca tive hipótese disso. E fui sendo distinguido um pouco por isso… enquanto uma JF da Gafanha da Nazaré comemora o seu aniversário na Fábrica das Ideias, nós não o pudemos fazer nem tínhamos um marco histórico de comemoração da freguesia, só o temos porque o João Campolargo investigou sobre isso, criou uma organização de arquivo e apareceram as primeiras atas constitutivas. Portanto, há uma série de processos que foram feitos e que não tiveram nenhum apoio do município. Tivemos um reflexo grande do município em quê? Com a visão da descentralização que o Governo colocou nos municípios e dos municípios para as freguesias, a Câmara começa a atribuir montantes financeiros à JF a partir de 2014.


Que aumentou o orçamento da JF.

…e eu aproveitei todas essas mais valias. Foi daí que começámos a construir e a fazer obra. Melhorámos os parques existentes, fizemos o parque da Murteira que é uma obra emblemática para o município, temos um ginásio ao ar livre, montámos quatro parques geriátricos, criámos um ecodrive onde as pessoas podem depositar os seus resíduos verdes - oferecemos à comunidade o que ainda não existia. Penso que é possível replicar isto noutras freguesias mas relembro que estamos na freguesia que ocupa 42 quilómetros quadrados dos 73 que o município tem e que tem 16 mil habitantes que abraçaram completamente o projeto da JF quando, em 2017, lhe dá uma maioria de 10 deputados na assembleia de freguesia com 3 na oposição. Foi a prova que a comunidade deu, que validou o nosso trabalho e que nos obrigava a fazer ainda mais.


Esse resultado criou expectativa de que poderia abraçar outros voos?

Não. O resultado deriva do trabalho e da proximidade com a comunidade. Mas percebi, por outro lado, que a gestão autárquica teria muito de mim e que eu poderia mudar muito mais no nosso município. O patamar em que eu estava limitava-me na ordem da despesa. A freguesia queria muito mais mas as obras que se poderiam fazer tiveram sempre algum bloqueio por parte do município que eu hoje percebo melhor tendo as contas do município na mão. Mas acho que as JF conseguem fazer uma coisa que, muitas vezes, os municípios não conseguem… as JF conseguem rentabilizar muito melhor um euro que se aplica na freguesia do que o município nessa mesma freguesia.


Essa é uma frase recorrente nas autarquias em relação ao Governo central… nas JF é a primeira vez que ouço.

As JF estão muito verticalizadas ao contrário dos municípios que têm uma estrutura muito horizontal e muitas dependências e obrigatoriedades em conformidade com a lei. Têm aspetos burocráticos que as freguesias dispensam completamente e, portanto, um presidente de JF tem de ser muito mais obreiro e muito mais próximo. Se calhar conseguimos ver que muitos presidentes até abdicam dos seus ordenados porque querem entregar-se às suas comunidades, algo que é impossível num município porque a prática e o exercício da função de presidente de Câmara tem uma envolvência documental e de responsabilidade social não só com os seus trabalhadores mas também com a comunidade completamente diferente do presidente de Junta. Hoje eu tenho a responsabilidade de gerir um município com quase 40 mil pessoas e na freguesia tinha 16 mil pessoas… tinha uma proximidade muito grande a essas pessoas mas uma JF não trata do licenciamento de uma casa, é a CM que tem de tratar. Muitas vezes é mais um trabalho intelectual, de conhecimento da lei, de desbloquear determinados processos e de uma responsabilidade tal que tem de ser paga. E muito do dinheiro… hoje, o orçamento da CM tem quase 9 milhões afetos aos custos com pessoal e a JF (de São Salvador, Ílhavo) em 730 mil euros tinha 260 mil euros. É uma diferença muito grande também porque as responsabilidades das pessoas da JF são mais de operacionalidade do que de conhecimento intelectual sobre a avaliação das matérias. Uma Câmara não vive sem um jurista, sem um atendimento, sem respostas a vários setores, a Proteção Civil também depende de nós… e criámos recentemente o pelouro da Comunidade porque achamos de uma importância tremenda a parte da inclusão, da maioridade, da juventude e do associativismo. Agregámos isto tudo num pelouro que está coadjuvado com a minha vereadora [Mariana Ramos] porque eu acho que faz sentido nós pensarmos num sentido de comunidade num movimento em que eu me juntei com 140 pessoas, onde lutámos pelas pessoas e pelo território. E não temos uma filiação partidária ou dependências em termos de hierarquias ou posicionamentos partidários.


Sente que isso lhe dá maior liberdade de ação?

Antes pelo contrário, isto dá-me uma responsabilidade tremenda porque criámos uma expetativa muito grande na comunidade ao criar este movimento. Tive algumas divergências ao longo dos últimos anos em algumas relações pessoais… mas eu tento ser muito claro sobre isso. A divergência é boa quando depois conseguimos convergir nas ideias, por mais duros que sejamos. Portanto, é natural que todos nós sintamos que em algumas alturas houve chatices dispensáveis mas outras foram necessárias no momento.


Como é que surge a ideia do movimento quando, pelo menos há um ano e meio, se falava que podia ser o candidato do partido socialista?

Surge por duas razões. Dentro do partido há duas linhas de candidatura à estrutura concelhia do partido e há umas pessoas que estavam mais próximas do João Campolargo e outras que estavam mais afastadas, até na maneira de pensar. E nem todos podem ganhar… quem ganhou era com quem eu tinha estado nas vitórias anteriores mas achava que o patamar que podíamos ambicionar, um bocado impulsionado pelo comportamento das pessoas que circulavam nas nossas cidades que viam no João Campolargo o futuro presidente de Câmara… impulsionaram que isso tudo fosse acontecendo. Há uma conversa já dentro do mês de outubro de 2020 - tardia, quanto a mim - sobre a preparação desse tempo eleitoral que se adivinhava em setembro do ano seguinte. Dessas negociações ficámos numa situação em que eu não concordava com o que me estava a ser proposto e também não via que esse fosse o melhor caminho para a comunidade e para mim próprio. Portanto, achei que havia pessoas que podiam fazer esse caminho comigo e começámos a maturar esta ideia de movimento em finais de novembro mas só em meados de março é que há a decisão de avançarmos com condições, da minha parte, já veiculadas com a minha vereadora, com o meu vereador e com o meu adjunto. Consolidámos aqui um relacionamento com um número de pessoas que já não era nada pequeno porque também já tínhamos uma decisão tomada sobre as pessoas que podiam avançar connosco para as Juntas de Freguesia. No dia 1 de maio dá-se o arranque do movimento, já com aspetos de comunicação considerados, com uma esquematização de trabalho daquilo que depois começou a ser veiculado em junho e em julho quando tudo se intensificou.


Número que até baixou após aquele projeto de lei sobre a lei eleitoral e os movimentos independentes.

É bem referido da sua parte porque nós avançamos mais claramente no dia 4 de abril quando essa lei sai. Percebemos que os objetivos eram outros e isso é que nos fez avançar porque tornou-se mais fácil a candidatura. E no dia 7 de agosto apresentámos na Fábrica das Ideias da Gafanha da Nazaré o nosso compromisso perante um auditório cheio e conseguimos ter uma vitória que eu acho que é histórica para o município e espero desempenhar da melhor forma a minha função de presidente de Câmara.


Mas tem alguma ideologia com que possa ser associado?

Eu acho que a estratégia dos movimentos independentes é uma estratégia muito ao centro - não tanto à esquerda, não tanto à direita nem tão extremista. Focado muito nas pessoas. E acho que os partidos também podem lá chegar porque eles estão a tentar aproximar-se desse centro… e, por isso, é que os partidos estão um pouco divididos entre eles porque, como se costuma dizer, há dentro do PS uns muito de esquerda e outros muito de direita e no PSD isso também acontece. Aquilo que eu acho que nos diferencia um bocado é uma liberdade diferente de pensamento, não estamos tão condicionados ao que é a ideologia de um partido - e isso coloca-nos ao centro.


Dá mais liberdade?

Acho que, antes de tudo, nos dá uma responsabilidade diferente porque temos de encontrar um equilíbrio com mais pessoas. Não vimos de uma votação interna… vimos de uma votação de comunidade. Vejamos… como é que uma pessoa chega a presidente de Câmara? Há uma eleição de um presidente de concelhia, na concelhia cada um propõe um nome, é votado e é esse que vai ser o cabeça de lista. Nós aqui não tivemos essa decisão… tivemos de falar com pessoas que aceitaram perfeitamente que os líderes ou candidatos foram definidos de acordo com o crescimento do movimento. Foi-se construindo a ideia até se assumir um compromisso coletivo que todos assinámos no dia 7 de agosto. Eu acho que esta é a característica diferente dos movimentos que poderão perder fulgor se os seus líderes não conseguirem manter esta estrutura de união e de partilha de informação. Nós, desde a eleição, já fizemos duas reuniões alargadas com todas as pessoas que representam o movimento neste momento para explicar o trabalho que está a ser feito e onde queremos chegar - que vai ao encontro do nosso compromisso com o movimento.


O objetivo é que este movimento cresça. Sente essa necessidade forçada por não ter maioria e pro ver que pode ser travado em algum projeto?

O movimento tem de crescer porque há sempre necessidade de renovação e se nós não conseguirmos crescer não vamos ter renovação, é a estagnação completa. A renovação traz novas ideias e novos valores… e é esse o nosso grande desafio. É necessário que o movimento continue a trabalhar e é esse o nosso grande desafio ao mesmo tempo que as nossas JF estão a trabalhar porque só não temos representação na JF da Gafanha do Carmo. Em todas as JF ganhámos posição…


Executivo foi só em São Salvador.

Exato. Temos maioria. Nas outras, o movimento respeita perfeitamente as opções políticas que quem ganha, tem. Nós seremos elementos fiscalizadores e não complicadores que é algo que eu não aceito muito bem, que haja comportamentos dos partidos políticos para destruição por simples divergência de caminhos.


Sente que é isso já lhe acontece na Assembleia Municipal (AM)?

Não. Sinto que a Assembleia Municipal tem uma dor tremenda de aparecer um movimento independente e a destituição dos partidos que habitualmente discutiam o poder… mas é um processo que eu acho que vai ter comportamentos diferentes ao longo deste mandato. Portanto, estou muito expectante em relação ao que os partidos vão trazer de novo à nossa AM para além dos discursos a bater no passado.


Que projetos ficam do mandato anterior?

Deixaram-nos alguns projetos em carteira e já com fundos comunitários aprovados que bloqueiam um bocadinho a nossa ação de empreendedores que queremos ser nestes quatro anos.


Bloqueia porque não era por aí que queriam ir?

Os orçamentos das câmaras tem uma componente muito elevada em termos de aquisição de bens e serviços e de componente de pessoal. Na nossa Câmara ocupa um valor significativo e dos 29 milhões que eu levo do orçamento, 16 milhões estão afetos a esta matéria. Se juntarmos aqui os planos de cultura e de apoio ao associativismo, temos aqui mais 4 milhões e já estamos nos 20 milhões. Depois temos os projetos em carteira que têm aqui uma componente muito grande de fundos comunitários. Esses projetos têm as candidaturas feitas… portanto, aquilo que está feito, eu tenho de fazer cumprir. Este ano, e os próximos dois, são para concretizar muitos projetos como, por exemplo, a obra de saneamento norte da Gafanha da Encarnação que é um projeto de cinco milhões.


Mas esse projeto não seria objetivo deste executivo?

Claro que sim e por isso é que levámos o orçamento desta forma. Nós podemos sempre pegar e fazer melhor. Se pudermos ainda remodelar e reconfigurar esses projetos de alguma maneira, não excendendo os limites legais da despesa, nós podemos fazê-lo. Mas temos obras como o Centro de Saúde ou um pavilhão na Gafanha do Carmo que já eram obras contratualizadas e que não têm apoio de fundos comunitários… aquilo que eu lhe queria dizer muito rapidamente é: imagine que saiu com mil euros de casa e um amigo seu lhe diz que está cheio de dinheiro na carteira. E você diz que sim mas que já está tudo direcionado para o crédito do carro, da casa, do aspirador e o resto é para ir às compras. E se houver um problema no carro? Pois, não consigo resolver… tenho de ficar a dever e ver se no mês seguinte o consigo pagar. Esta é a condição que ainda vamos ter durante algum tempo para que o orçamento tenha a disponibilidade para nós o fazermos. Claro que o endividamento é possível mas a Câmara de Ílhavo ainda tem 3 milhões de dívida para resolver.


Mas tem margem de endividamento, caso seja necessário.

Claro. Mas eu acho que só devemos recorrer ao endividamento se tivermos objetividade de construção de edifícios ou outros projetos que sejam mesmo necessários e que a comunidade vá utilizar e valorizar. Mas também não podemos desprezar o que se construiu e o que é o espaço de trabalho das nossas equipas… portanto temos de conquistar também melhor conforto para que as pessoas trabalhem.


Está a dizer que vai dar utilidade a todos os equipamentos?

Vamos intensificar essa utilização dos equipamentos e testá-los ao máximo. Vamos apostar em termos de estratégias de turismo, de comercialização, de promoção destes equipamentos… o projeto 23 milhas é um destes exemplos. Nós temos 4 museus em Ílhavo que é um património brutal para o turismo no município. E temos o nosso pão de vale de Ílhavo que merece um crescimento absoluto nas estratégias.


Os museus terão uma forte aposta, então.

Uma maior divulgação, uma maior comunicação… Nós já temos o museu mais visitado do país em termos de gestão municipal mas precisamos de continuar a fazer subir os números, não queremos que nos ultrapassem. E isso é difícil! Até por todas estas restrições que temos. Temos vindo a combater isso durante os últimos dois anos e podemos combater ainda mais dois. Tal como também temos os nossos 3 centros culturais que temos de dinamizar com uma política cultural que requer uma despesa avultada do município mas que, com a qualidade dos nossos espetáculos, pode trazer retorno.


Essa era uma área que dava uma imagem muito positiva de Ílhavo. O que é que se pode incrementar para além do que tem sido feito?

Acho que já temos uma dúzia de rubricas como o Festival Ilustração à Vista, Rádio Faneca, Festival do Bacalhau, o Leme… todas essas iniciativas têm de ser muito mais valorizadas através da sua comunicação. Precisamos de ter mais presença local… temos muita gente que nos visita mas depois não temos uma resposta em termos de permanência dessas mesmas pessoas. Temos pessoas a vir a um espetáculo nosso mas não temos um conceito de restauração ou de hotelaria - apesar da oferta que já temos. Nós temos uma sala que leva mais de 400 pessoas aqui no Centro Cultural… precisamos de as agarrar pela gastronomia, pelos museus e pelos territórios com as vias cicláveis, pelas praias com percursos pedonais… queremos intensificar tudo isso. Vender muito mais aquilo que é a nossa riqueza natural sem esquecer uma parte fundamental que é Vagos com quem queremos manter uma ligação pedonal e ciclável - vocês já têm essas ligações quase ao pé de nós, nós é que não temos. E temos um ponto de visitação que é a Senhora de Vagos, um ponto religioso e uma referência que traz muitas pessoas devotas. São estes os caminhos que o município vai ter de percorrer.


Vai conseguir fazer isso com uma equipa de três pessoas no executivo?

É engraçado que diga isso porque a lei preconiza, no mínimo, três vereadores para municípios até 40 mil eleitores. Depois podemos ter mais conforme a decisão do presidente… e os partidos, normalmente para ganhar conforto, se tiverem uma maioria é mais fácil a governação. Acho que estamos preparados para vencer, é uma estrutura relativamente nova - eu sou o mais velho da equipa - mas tenho duas pessoas muito talentosas e com experiências profissionais brutais: a Mariana Ramos e o João Semedo. O João Semedo, hoje, é o meu vice-presidente mas eu acho que, entre nós, responsabilizamo-nos todos quase pela presidência. E eu acho que é um papel engraçado este de… todos queremos ter o nosso papel fundamental. E a estrutura da Câmara, depois de a conhecermos, permitiu-nos ver que a sua organização poderá sofrer movimentações nos próximos 4 anos. Encontrámos aqui gente maravilhosa a gerir essa compartimentalização que existe e que facilita um bocado o nosso processo de gestão e se todos tivermos entendimento que as pessoas do movimento que se candidataram e ganharam para fazer o município, será relativamente fácil.


Correm algum risco por não terem maioria.

Corro os riscos inerentes a qualquer gestão política. Perceba uma coisa… olhamos para o Governo e vemos como hoje estamos em eleições porque os partidos não se conseguiram entender.


Isso é possível acontecer em Ílhavo?

Acho que tudo é possível, não podemos pôr nada de parte. Acho que os partidos estão, como já lhe disse, com uma dor tremenda pelo resultado eleitoral e que eu vou respeitar. Acho é que eles têm de perceber que nós não chegámos para estragar, chegámos para melhorar. E se eles forem um contributo para essa melhoria terão a oportunidade de, em 2025, discutir o poder. Eu nunca trabalhei com o objetivo de amanhã sair… você perguntou-me se eu ambicionava vir para a Câmara quando estava na JF mas, naturalmente, a comunidade foi desejando isso.


Sentiu que essa ambição veio do povo.

E foi do povo que nasceu esta ambição, foi o povo que votou. Foi. O povo de São Salvador mostrou isso mesmo e o da Gafanha da Nazaré muito mais. Eu acho que as referências da Gafanha da Nazaré são mais elevadas do que as referências de São Salvador porque na Gafanha da Nazaré não tinham um conhecimento tão intenso do meu trabalho como têm em São Salvador.


Na Gafanha da Nazaré, o resultado foi muito bom mas não venceu.

Sim, mas eu tenho de entender que, para um partido que parte com 0 votos desde o 25 de abril… não me venham dizer a mim que 1 voto não é importante. É muito importante. O que eu acho é que o resultado da Gafanha da Nazaré é o espelho da mudança porque quando falamos em São Salvador falamos de uma freguesia em que o João tinha um trabalho e toda a gente tinha um relacionamento pessoal. Na Gafanha da Nazaré isso não era habitual. Eu sou-vos sincero… acho que esteve fora da minha freguesia a minha vitória eleitoral. Porque foi aí que fomos à procura dos que confiavam em nós e que o quiseram valorizar para a mudança acontecer. E ainda tenho de valorizar os votos flutuantes, aquelas pessoas que não estão à esquerda nem à direita mas que votam pela pessoa e pelo conhecimento que têm do seu trabalho. E eu acho que esta é uma vitória da nossa comunidade… que foi mais difícil do que se tivesse aqui um partido. Já me perguntou duas vezes se temo esta gestão a três e se temo uma minoria na decisão tanto aqui como na Assembleia. Não temo. Vou governar enquanto me deixarem governar. Defenderei essa governação até ao último minuto e nunca vou cair por aí.


Para além do que já falámos, há algo emblemático que gostasse de concretizar até 2025?

Sim. Gostaríamos de ter um foco importante na educação. Temos escolas para remodelar e o projeto da Escola Secundária de Ílhavo é um projeto que já é falado mas que gostaríamos de concretizar e que só é possível se tivermos uma candidatura a fundos comunitários ou se nos envolvermos num novo endividamento. Gostaríamos também de ter uma estrutura que suportasse qualquer tipo de desporto no nosso município. Os nossos clubes têm vindo a crescer apesar de reconhecermos que a natalidade não tem vindo a aumentar… temos um município envelhecido mas temos novos residentes que, tendencialmente, vão aumentar porque temos empresas à procura de se estabelecerem no município. Estas são duas situações muito objetivas que gostávamos de concretizar. Queríamos também resolver outro problema… que a nossa Costa Nova e a nossa Barra vivessem 365 dias por ano com um projeto turístico brutal. Esse é um desafio enorme que temos porque, aí, conseguimos ter um contributo para que o município e os seus operadores possam ter diferentes receitas. E que seja convidado a participar em eventos de outra escala. Outro dos grandes desafios que tem de ficar definido nos próximos dois ou três anos é a subida média das águas do mar e a defesa de todos os seus territórios. Podemos ter, ou não, um processo de deslocalização… mas temos de pensar muito bem o que estas alterações climáticas trazem e resolver, de uma vez por todas, qual é a relação do Porto de Aveiro com o município, nomeadamente na estrutura portuária de pesca. O último objetivo é a projeção territorial… eu não sei se os transportes intermunicipais vão funcionar ou não, há um projeto que não teve interessados e não sabemos se com o valor a crescer para o dobro poderá ser praticável para os municípios e temos aqui alguma dificuldade de ligação entre os nossos territórios que queremos que seja mais fluente e temos alguns projetos pedonais e cicláveis que temos de fazer. No campo turístico temos alguns investimentos em vista e queremos ter uma atratividade enorme para novos investidores - e esse trabalho já está a ser feito. Ao nível de festivais queremos introduzir um com gastronomia da Ria de Aveiro. Já temos o Gastronomia de Bordo que traz a tradição da pesca longínqua e agora queremos valorizar a pesca costeira e local.


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