20 Anos, 20 Estilistas - Joel Reigota escolhe 20 Estilistas que marcaram os últimos 20 anos

“Não quero atingir a “peça perfeita” porque a partir daí está feita e o sonho termina”

Cultura
Sandra Oliveira

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Joel Reigota é um dos nomes mais conhecidos da região. Há mais de 25 anos que faz magia na arte do corta e coze. O sonho de ser piloto de aviação foi pelos ares, e de ser dançarino de jazz idem aspas. A vida trocou-lhe as voltas e a tesoura e a fita métrica passaram a fazer parte do seu dia-a-dia. O Ponto foi conversar com o estilista e a propósito dos 20 anos de aniversário, propusemos 20 nomes do mundo da moda ao reconhecido Joel Reigota.


Quem é o Joel Reigota?

O Joel, enquanto pessoa, é um brincalhão, mas mais sério do que aquilo que parece porque também sou uma pessoa muito sensível. Tenho 53 anos, e sou da freguesia de S.Salvador, da Gafanha da Boavista. Acho que não tenho muito que ver com isto, mas sou o que sou porque estou aqui e não sei estar de outra forma. Sinto muito a necessidade de viver em Nova York ou outra cidade mas sei que se fosse para lá viver, não ia suportar, ia ficar bem durante meio ano mas teria de voltar para cá. Talvez pelas raízes, pela qualidade de vida que se tem e também por aqui estar sozinho.


Fala-nos da tua adolescência e como chegaste à moda.

Já contei esta história muitas vezes (risos): O que eu gostava mesmo de ser era piloto de aviação. Entretanto, no ciclo foi-me detetado um sopro cardíaco e fiquei logo desanimado, mas não pensei que isso me impedisse de ser piloto. Mais tarde, desaconselharam-me as aulas de Educação Física e tive de procurar um desporto que tivesse um ritmo mais suave. Acabei por ir para dança.. Dançava jazz. Até aos 19 anos continuei na dança, sempre na esperança de um dia vir a ser piloto, mas aos poucos começava a descartar essa ideia por causa do sopro cardíaco. Nem à tropa consegui ir. Ponderei seguir a dança, mas nesse processo tive uma rotura muscular [reflete] acontecem coisas que na altura não percebemos, mas mais tarde acabamos por perceber e faz tudo sentido – A vida estava a dizer-me que não era por aí o caminho.

Tinha outros gostos e a roupa e o desenho eram um deles, mas sempre descartei porque a dança estava em primeiro. Quis seguir belas artes, mas o meu pai não me deixou ir para o Porto sozinho por achar que era meio “estouvado” da cabeça.

Fiz então o 12º ano de humanidades e quando acabei, contrariando o meu pai segui as artes. Tenho o curso de Design de moda (estilista) e também o de modelação, ambos tirados na Escola De Moda Gudi, no Porto.


E depois do curso?

Quando acabei o curso, em 1988, fui fazer um estágio com uma professora minha, a fazer assessoria na Portex, uma feira de têxteis no Porto [já não existe], direcionada para o mercado externo. Na Portex conheci um empresário de São João da Madeira e trabalhei com ele sensivelmente 6 anos. Era uma empresa de confeção de vestuário só em pele e malhas.

Só 95 é que resolvi criar a minha marca, não era feita aqui no atelier porque não tinha condições de produção e tinha de recorrer a costureiras que conhecia. Na fase inicial vendia principalmente aos amigos, mais tarde é houve um amigo de Lisboa que me comprou várias peças e através do “passa palavra”, outras pessoas começaram a gostar da minha roupa, até que abri uma loja no Bairro Alto. Tive a loja aberta durante 11 anos. Foi uma fase muito boa em que vivia despreocupado. Não tinha limitações nem preocupações quanto aos custos das produções, ao número de botões que tinha de ter, coisas desse género.. Como trabalhava para mim, não estava minimamente preocupado com essas coisas. Produzia sempre a peça que tinha sonhado, nem que demorasse 1 mês.


E depois, como voltou e abriu o atelier na Gafanha da Boavista?

Voltei em 99/2000, tinha uns 41 anos. Comecei o ateliê já antes de vir de Lisboa. Montei primeiro um provisório em casa da minha avó onde desenhava, fazia amostras e coisas simples. Quando comecei a produzir em maior quantidade é que senti necessidade de montar o ateliê, mesmo com a loja em Lisboa. Estava aqui, na Gafanha segunda, terça e quarta-feira e o resto dos dias ia para Lisboa. Andei nessa correria entre Lisboa e Gafanha, sem carro e a recorrer a amigos durante os 11 anos em que a loja esteve aberta. Foi uma fase muito divertida e não me arrependo de nada.


Porque é que a loja fechou?

A dada altura, alguma coisa teria de correr mal porque era eu que fazia tudo: a gestão, a parte financeira... Além disso, depois da Expo 98, a Câmara de Lisboa começou a impor muitas normas aos comerciantes. Começámos a ser sugados e as obrigações eram umas em cima das outras e tornou-se insustentável porque também tinha muitas despesas de deslocação. Para dar um exemplo: na altura podíamos servir café, ter a nossa música a tocar e surgiram normas que nos proibiram de continuar a fazer isso. Depois, com o Euro 2004, já na Gafanha senti limitações na compra da roupa e depois chegou a crise, em 2008. A partir daí comecei a fazer tudo por encomenda porque a roupa das coleções ficava e não se vendia.


Estiveste presente na Expo 98?

Sim, na expo 98 explorei o tema da clonagem para vestir o milénio e o futuro e precisei de modelos gémeos. Foi aí que lancei os irmãos Guedes para o mundo da moda.


Vestiu muitas figuras públicas?

Sim, vesti muitas, principalmente quanto tinha a loja em Lisboa. As figuras públicas recorriam a um estilista para terem uma imagem. Cheguei a vestir Rui Unas, Dulce Pontes, Maria Rueff, Maria João Bastos, Nuno Eiró, os D’arrasar, Os Fúria de Açúcar. Tinha um cliente jogador de futebol que me comprava imensa roupa e cheguei a patrocinar também programas de televisão.


E quais foram as modelos que mais gostou de trabalhar?

A Fernanda Serrano, a Sofia Aparício por causa das suas personalidades, muito acessíveis de trabalhar. Também gostei muito de vestir a Cláudia Mergulhão, nos anos 90.


E os locais que mais o marcaram?

Já fiz a Moda Lisboa e as Manobras de maio. Há uns anos também era muito habitual as autarquias organizarem eventos de moda e eu estive presente em muitas cidades a nível nacional tais como Cantanhede, Coimbra, Portimão, Porto, Chaves, Viseu e muitas outras cidades. O auge desses desfiles foram os anos 90.


Como está a marca Joel Reigota neste momento?

Agora trabalho tudo por encomendas com a Anabela Verdade que é costureira e foi minha colega na Escola Secundária.

Enquanto antes fazia roupa e não estava minimamente preocupado com o estilo ou se ia agradar ao consumidor final ou não, agora tenho de ter cuidados redobrados. E depois há a questão de não conseguirmos fazer frente às multinacionais, às chamadas fastfashion. Acho que para o consumidor é bom, só acho muito mal todo o processo que está por trás até chegar à mão do consumidor. Falo por exemplo da poluição, do impacto ambiental, da exploração de mão-de-obra e trabalho infantil que, infelizmente, há sempre quem trabalhe nessas condições a troco de um prato de comida. O consumidor agradece porque a roupa tem um custo reduzido comparado à de um estilista e na maior parte das vezes não têm essa preocupação nem sequer a noção e consciência.


Que impacto têm as multinacionais fastfashion num estilista? Muitas das vezes são acusadas de cópias de estilistas…

Sim, é verdade... A cópia é normal, mas há pessoas que não se limitam a copiar, pegam na estrutura e alteram-na, como também há outros que pegam num exemplo e imitam na íntegra. É o caso dessas multinacionais. Até porque têm uma equipa de designers pelo mundo em que o trabalho deles é pesquisar peças de roupa interessantes e copiá-las. A coleção de um estilista é lançada com um ano de antecedência e a produção dos produtos depende se há encomendas ou não. Estas fastfashion produzem sempre em cima do acontecimento e conseguem ter a peça à venda no mercado ainda antes do criador a ter.


Como tem evoluído a moda neste sentido?

Não tem evoluído. No meu caso, cheguei ao meu auge em 2018 e depois veio a pandemia. A pandemia veio limitar mercados e no meu caso, a minha redução até foi boa porque já não produzia como antes. Agora, qualquer pessoa pode vir cá, encomendar um vestido e mediante toda uma conversa, faço o vestido como o cliente quer. Ou seja, não é um trabalho que interfira com as fastfashion. Afetava se estivesse a produzir em quantidade.


Como é o teu processo criativo de um vestido, por exemplo?

Depende muito das minhas emoções, e o que mexe com elas são determinadas músicas e acontecem em momentos em que necessito de sair de casa e ir para a natureza. Vou absorver o que vejo, às vezes vou dar um passeio de carro. E o olhar para a esquerda e para a direita a conduzir faz parte do meu processo criativo. Tenho também de passar tempo com a pessoa que vai vestir. Tenho de pensar que não é uma peça para mim, é uma peça para quem a vai vestir e tem de ter alguma coisa que se identifique comigo, mas o mais importante é estar no vestido, a pessoa que o vai vestir. Depois também acontece as pessoas quererem muito um tipo de vestido, mas não terem noção da fisionomia do seu corpo.

Não posso retirar à pessoa o sonho dela, claro, mas posso adaptar e mediante aquilo que está está a pedir, aconselhar o melhor formato para o vestido que me está a pedir


O que é que as pessoas procuram e quem o procura?

Alguns procuram-me pela internet. Outros porque conhecem ou porque alguém aconselhou e por ter um nome já no mercado. Houve uma menina que esteve cá porque gostou muito de um vestido que viu numa amiga sua que casou, feito por mim. Passado uns 6 ou 7 anos (ela ficou com o meu nome na cabeça durante este tempo todo), ela procurou-me e quis que o seu vestido de noiva fosse feito por mim. E ter essa referência é muito bom. A roupa é mais cara do que ir a uma loja e devido ao preço e por não ter um nome como “Valentino” ou “Chrisian Dior”, acaba por não vender muito online. Mas na roupa tem de ser ver sempre a qualidade do tecido, se está bem feito, etc


Sendo assim, já não faz coleções?

Sim, tenho até uma coleção quase pronta que era para ter saído em 2020 e não foi, por causa da história da pandemia.


E o que é preciso para ela ser lançada?

Estou à espera da pessoa que me está a patrocinar o evento, de abrirem as normas para ter cerca de 250 pessoas num espaço fechado sem máscaras, entre outras coisas..


Ainda há sonhos por realizar?

Há muitos sonhos, não quero atingir a “peça perfeita” porque a partir daí está feita e o sonho termina. Mas se for para sonhar, vamos sonhar grande. Sou uma pessoa que sonho mas com os pés muito assentes na terra. Não vejo probabilidade de alguns deles acontecerem, mas sim tenho sonhos por realizar.


Por fim, em quem é que gostavas de ver a tua roupa vestida?

Gostava de poder vestir os atores Tilda Swinton e Timothée Chalamete.


Onde podemos acompanhar o teu trabalho?

Na página do Facebook, onde publico alguns trabalhos feitos por encomenda e no Instagram também com trabalhos que fui feito ao longo dos tempos.  

20 anos 20 Estilistas Aspetos que mais gosta
Yohji Yamamoto (japonês) A Filosofia e conceito de roupa
Haider Ackerman (colombiano) A modelação e mordernismo
Ann Demeulemeester (belga) Conceito poético e prático
Martin Margiela (belga) A descontrução do tradicional
Alexander McQueen (britânico) Modelação e rebeldia
Rick Owens (americano) A visão apocalíptica
Rei Kavakubo (japonesa) Pioneirismo e a visão artística
John Galliano (britânico) Controvérsia e criatividade
Dries Van Noten (belga) A comercialidade
As gémeas Olsen (americanas de origem norueguesa) O minimalismo e visão contemporânea
Umit Benan (turco) O classicismo casual
Hed Mayner (israelita) O urbano e a dimensão
Damir Doma (croata) A simplicidade diferente
Demna Gvasalia Soviético revolucionário
Chitose Abe (japonesa) Conjugação de materiais e estruturas
Jil Sander (alemã) O minimalismo e conforto
Raf Simons (belga) A visão e modernidade
Jean Paul Gaultier (francês) A rebeldia
Alber Elbaz (marroquino) Sofisticação
Pierpaolo Piccioli (italiano) O lado de Alta costura

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